quarta-feira, 5 de setembro de 2012

Mais perto do céu

Visitámos os faróis da Barra, de Leça da Palmeira e de Montedor - ficámos deslumbrados

Há quem diga que, na vida, tudo o que é bom tem um preço. A vista do alto dos 62 metros de altura, no Farol da Barra, em Aveiro, faz-nos experimentar o melhor de ser um bicho voador. Qual pássaro ou inseto, daqui vemos de cima o que só temos oportunidade de contemplar de frente: a Ria de Aveiro a estender-se como os dedos de uma mão costa adentro; a língua de areia da Costa Nova e a Vagueira mais adiante; os molhes central e sul a protegerem a Praia Velha da Barra (mesmo por baixo de nós); os desenhos da calçada portuguesa da Praça Comendador Carlos Roeder; o Parque Natural das Dunas de São Jacinto...

O vento, a bater forte na cara, até é bem-vindo. Para chegar aqui, tivemos de subir a pé 291 degraus de uma bonita escadaria de pedra, em espiral. A entrada no farol é gratuita, mas rapidamente se acha o preço... O elevador não transporta pessoas estranhas ao serviço. Nada que intimide quem quer conhecer por dentro este farol, o mais alto de Portugal e, há quem jure, da Península Ibérica (na Europa, ocupa a décima terceira posição e, a nível mundial, estará entre o 22.º e o 26.º mais alto do mundo). No dia anterior à visita da VISÃO, 300 pessoas tinham subido aquela escadaria e, durante o mês de agosto, foram mais de 1500 as que marcaram presença nas visitas às quartas.

"Muitas só veem ver a vista", revela Rogério Cruz, o faroleiro chefe, 57 anos de idade, 40 de serviço. "Ficam maravilhadas", prossegue. Ele compreende-as bem. Não há forma de se cansar daquela paisagem, que decifra como um cicerone das alturas.

Se a vista é boa, as explicações sobre o funcionamento do farol e do aparelho que, no seu interior, emite a luz não se ficam atrás. Podem ser mais ou menos detalhadas, consoante o interesse e os conhecimentos do interlocutor. Porque isto de um objeto ser capaz de projetar luz num raio de 23 milhas (perto de 42,5 quilómetros) tem que se lhe diga... Antes de tocar no imenso aparelho dourado, coberto de lentes, onde se esconde a lâmpada, Rogério coloca umas luvas brancas: "os amarelos [do latão] sujam-se facilmente e não são fáceis de limpar". Só então faz rodar o imponente objeto com as mãos, simulando as voltas que dá à noite, automaticamente. "Está assente numa cuba com 77 litros de mercúrio", diz-nos, afastando qualquer razão para alarme já foram feitos testes noutros faróis e não foi detetado qualquer risco de toxicidade. "O mercúrio permite que o deslize se faça sem desgaste. Se fossem rolamentos, ao fim de algum tempo gripavam", assegura.

Naquela pequena cabina, rodeada por vidros, onde de dia as cortinas estão sempre corridas para que a incidência do sol no aparelho não provoque estragos, as conversas com os turistas facilmente vão dar à importância atual dos faróis e faroleiros.

Que ninguém diga a Rogério que eles já não fazem falta! "Por mais aparelhos sofisticados que haja, os faróis são insubstituíveis", defende. "Uma embarcação pequena não tem o equipamento de um navio grande, algo pode falhar". E lembra o que lhe disse recentemente um comandante da Marinha Mercante: "Os equipamentos que eu tenho a bordo podem-me enganar, mas o farol sei que ninguém pega nele e o muda de sítio".PEÇAS DE MUSEU

A "característica" da luz deste farol em relação aos restantes são quatro flashes durante um período de 13 segundos. No farol de Leça da Palmeira, os flashes são apenas três e duram 14 segundos. O faroleiro de serviço é obrigado a subir ao topo, junto ao aparelho ótico, pelo menos duas vezes por dia: retira as cortinas pouco antes do sol se pôr, coloca-as de manhã, depois da estrela central ter nascido. Longe vão os tempos em que os profissionais se guiavam pelas tabelas com a hora solar, fornecidas pelo Instituto de Meteorologia, para acenderem o aparelho. Hoje, um foto interruptor, acende e desliga automaticamente o farol em função da luz.

Quem, em Leça da Palmeira, desfia estas e outras memórias é David Farinha, 54 anos. "Antes este farol era aeromarítimo, também orientava a navegação aérea", recorda. Os longos minutos que passamos a conversar com o chefe do Farol de Leça, com vista para a Casa de Chá da Boa Nova de Siza Vieira, permitem compreender a evolução dos faróis ao longo do tempo.

Este, datado de 1926, começou logo a eletricidade, mas tinha uma reserva de incandescência a petróleo, que hoje pode ser vista no rés-do-chão do farol, num pequeno museu.

A eletricidade era apenas para alimentar a lâmpada. Até 1950, o aparelho ótico, porém, girava graças a um sistema de relojoaria que ainda hoje se pode observar durante a noite um peso calibrado descia os 46 metros de altura do farol. De manhã, o faroleiro dava à manivela para colocar de novo o peso no local de partida. Também já peça de museu é a célebre "ronca". "Funcionou até 1984, era um sinal sonoro emitido graças a um sistema de ar comprimido", revela. Quando havia nevoeiro, era o som que ajudava a orientar pescadores e marinheiros. "Mas como o som se propaga consoante o vento, não era muito fiável", diz, justificando a extinção da ronca com o desenvolvimento dos radares. Talvez daqui por um ano, a visita possa dar já direito a espreitar a oficina, onde tinham aulas os aprendizes de faroleiros (o Farol de Leça era também escola), que David está a restaurar.TUDO A BRILHAR


Se há algo que salta à vista quando se visita um farol é o orgulho dos faroleiros em mostrar o local onde trabalham e o brio que põem na sua manutenção, talvez justificado por habitarem dentro do próprio farol.

"Esta é a nossa casa, literalmente, queremos mantê-la bonita.", afirma Filipe Figueiredo, responsável pelo farol de Montedor, na freguesia de Carreço, a norte de Viana do Castelo. É ele quem se encarrega de reparar cada falha, renovar a pintura e até tirar as ervas daninhas do edifício. Na quarta-feira em que a VISÃO o acompanhou, Filipe faz um pedido especial aos visitantes: "Se pudessem evitar colocar as mãos no corrimão dourado... para que o próximo grupo também veja tudo a brilhar". Antes, já lhes tinha aconselhado cuidado com os degraus íngremes 115 de pedra, mais 30 de ferro.

Inaugurado em 1910, o farol mantém grande parte da estrutura original, embora esteja equipado com a tecnologia mais recente. Em 1987 foi automatizado e desde 1947 que é alimentado a eletricidade. Os equipamentos mais antigos continuam de vigília, prontos para entrarem em funcionamento caso haja alguma falha. Um verdadeiro museu vivo, agora exposto a olhares estranhos. "É importante que as pessoas saibam quais são as nossas tarefas e conheçam este património", conta. Quando concorreu ao cargo, em 2007, Filipe fê-lo sem grande entusiasmo. A licenciatura em Comunicação e Relações Económicas não lhe oferecia grandes saídas profissionais e um irmão mais velho, também faroleiro, alertou-o para a abertura do concurso.

Hoje, aos 29 anos, julga: "Foi das melhores opções que tomei na vida." Desde que as quartas-feiras ficaram definidas como o dia semanal para visitas guiadas, Filipe capricha ainda mais na apresentação. "Não há um farol igual." A própria arquitetura do farol de Montedor, com a sua torre quadrangular em cantaria de granito, funciona como elemento distintivo, ajudando à identificação do posicionamento marítimo dos navios durante o dia. À noite, o aparelho ótico lenticular de cristal com que está equipado emite um sinal luminoso: a lâmpada de mil watts lança dois relâmpagos brancos de nove em nove segundos, com um alcance de cerca de 40 quilómetros.

Esta é a assinatura que permite a qualquer barco, mal a veja, determinar a sua posição no mar, quando cruzada com outras linhas de posição emitidas pelos faróis vizinhos, situados a, sensivelmente, 50 quilómetros de distância. "Na navegação costeira, os faróis continuam a ser as melhores referências", explica Filipe aos visitantes. Sigam-nos!


Visita aos faróis

Todas as quartas, às 14, 15 e 16 horas

Continente
Barra, Leça da Palmeira, Montedor, Cabo Mondego, Penedo da Saudade, Cabo Carvoeiro, Berlenga, Cabo da Roca, Cabo Espichel, Sines, Cabo Sardão, Cabo de São Vicente, Ponta da Piedade, Ponta do Altar, Alfazina, Santa Maria, Vila Real de Santo António

Açores
Ferraria, Ponta do Cintrão, Arnel, Gonçalo Velho, Ponta da Garça, Contendas, Ponta da Barca, Carapacho, Ponta da Ilha, Ponta do Topo, Albarnaz e Lajes das Flores

Madeira
Ponta do Pargo

Fonte: http://visao.sapo.pt